quinta-feira, 13 de março de 2014

Os 300 de Esparta e a Construção do Ocidente

Leonardo Matos
13 de março de 2014

No último dia 7 de Março de 2014 foi lançado no Brasil o filme “300 A Ascensão do Império”, continuação do filme “300”, de Zack Snyder, Kurt Johnstad e Michael B. Gordon. Peço licença ao leitor para embarcar na onda da promoção do lançamento filme e, a partir daí, fazer um reflexão sobre a importância dos fatos narrados na trama para a cultura e para a história do Ocidente.

A narrativa se passa por volta do ano 480 a.C. ocasião em que o Rei Xerxes, do Império da Pérsia, chega ao nordeste da Grécia vindo do leste e comandando a maquina de guerra do exército persa, o maior exercito já reunido na antiguidade. Contabilidades modernas apontam um número de 300 mil soldados, mas alguns historiadores chegam a citar o incrível número de 2 milhões de guerreiros marchando contra a Grécia. Uma frota e 1000 navios fornecia apoio à tropas em terra desde o Mar Egeu.

Quero ressaltar ao leitor que tal ataque, além de fornecer um belo enredo para Hollywood, é também um ponto crucial da história da civilização ocidental. A Democracia, um do pilares fundamentais da civilização ocidental acabava de surgir em Atenas, na Grécia e a invasão vinda do leste ameaçava destruí-la em seu início.

É importante entendermos que até aquele momento, as cidades-estado da Grécia não estavam unificadas e lutavam umas contra as outras pela supremacia da região. A luta contra a invasão do Império Persa foi a primeira vez na história em que a Grécia se viu unificada contra um inimigo externo. Atenas e Esparta, as duas maiores cidades-estado gregas e rivais históricas de longa data, nesta oportunidade lutaram lado a lado, contra um mal maior.

A luta começou em dois pontos distintos, um por terra e outro no Mar Egeu. No desfiladeiro das Termófilas, o Rei Leônidas de Esparta comandou 300 guerreiros espartanos e mais 7000 guerreiros gregos de outras cidades-estado contra o exercito persa. Simultaneamente, no Mar Egeu, um político ateniense, veterano da batalha de Maratona contra o próprio Império Persa, chamado Temístocles comandou uma frota de 200 navios gregos contra a frota persa, visando impedir que os invasores conseguissem passar pelo estreito de Artemísio e cercassem as forças em terra comandadas pelo Rei Leônidas. Muitos historiadores creditam à Temístocles o planejamento estratégico da defesa simultânea por terra e mar contra o exército persa.

Os gregos lutaram bravamente e em três dias os persas perderam mais de 20 mil soldados, no entanto, sua superioridade numérica garantiu a vitória do Rei Xerxes naquela batalha. Com a derrota das forças que estavam em terra, Temístocles recuou a frota grega que defendia o estreito de Artemísio e as forças da Pérsia puderam, após dois meses, entrar na Grécia e saquear a cidade-estado de Atenas.

Temístocles, no entanto, colocou em prática um plano audacioso, o qual em pouco tempo representaria a vitória final da Grécia sobre o Império Persa. Pouco antes de o exército Persa saquear Atenas, o general grego evacuou a cidade, levando os remanescentes do exército e grande parte da população para navios que estavam ancorados na costa grega.

Um mês após a destruição de Atenas, o gregos obtiveram a sua redenção. Com a frota grega revigorada, Temístocles montou uma estratégia e atraiu o Rei Persa para uma região denominada Estreito de Salamia, ao sul da costa grega. Temístocles então atacou as forças persas de surpresa e com tamanha agressividade que as baixas impostas ao exército persa obrigaram o Rei Xerxes a retornar ao seu país com os sobreviventes, abandonando a ocupação da Grécia e possibilitando a reconstrução de Atenas.

Em que pese as batalhas das Termófilas e do Estreito de Artemísio aparentemente representarem os momentos mais heroicos e poéticos, a batalha naval no Estreito de Salamia foi provavelmente o momento estratégico mais importante da guerra entre a Grécia e o Império Persa. Ainda que os persas tenham derrotado os gregos nas Termófilas e reduzido Atenas às cinzas, no Estreito de Salamia a marinha grega causou tanto dano à frota persa que o Rei Xerxes teve que recuar, pois caso não lhe restassem navios de guerra para defender seus navios de transporte, todos os persas poderiam jamais retornar.

Muitos historiadores consideram que esse foi o início do declínio do Império Persa. Após as batalhas das Termófilas, do Estreito de Artemísio e do Estreito de Salamia, os gregos agora se viram encorajados a atacar os persas em seu próprio território. As vitórias culminariam, anos mais tarde, nas campanhas formidáveis de Alexandre, O Grande, que expandiu a cultura grega ao oriente, introduzindo a política, as leis, a filosofia e arte gregas no mundo antigo. Essa cultura difundida por Alexandre, viria então a ser um dos pilares da Civilização Ocidental.

O nascimento da democracia, bem como a expansão da cultura e da filosofia gregas teriam sido completamente impossíveis se os gregos continuasse divididos internamente, cada qual em seus assuntos domésticos em suas cidades-estado, ao invés de terem se tornado uma nação unificada, impulsionados à unificação pela ameaça que vinha do leste, representada pelo Império Persa. Neste momento histórico surge pela primeira vez a Grécia como nação. A democracia, a política, a filosofia como conhecemos não teriam vingado caso a Grécia não tivesse sido unificada e caso não tivesse vencido a guerra contra o Império Persa, e provavelmente não teriam surgido em nenhum outro lugar do mundo.

Por vezes nós não nos lembramos da importância que as batalhas nas Termófilas, no estreito de Artemísio e no Estreito de Salamia representaram, não do ponto de vista militar, mas do ponto vista cultural e simbólico. Nessas ocasiões, a Grécia estava se tornado aquilo que nunca havia sido antes, deixando de ser um aglomerado de cidades-estado e se tornando uma nação, certa de sua unidade. A Grécia começava a identificar seus próprios valores culturais, não como cidades estado, mas como uma nação.

Muito mais do que enredo para filmes ou livros, a batalha grega é uma história poética de resistência que determinou o curso da Civilização Ocidental e o destino da Democracia. Foi, talvez, o primeiro embate realmente decisivo entre Ocidente versus Oriente, o qual viria a se repetir por inúmeras vezes ao longo dos séculos.

A Cultura Ocidental, tal qual como conhecemos hoje, é fruto de uma herança cultural histórica que remonta mais de cinco mil anos, sendo uma junção da racionalidade filosófica da Grécia Antiga, passando pelo direito romano e recebendo a contribuição decisiva da moralidade judaico-cristã.

Na rotina atarefada contemporânea, esses grande feitos do passado são quase esquecidos. O que hoje são histórias heroicas de um passado longínquo, que para muitos incautos não passam de enredo de filme de Hollywood, são na verdade a primeira ocasião em que um dos pilares da cultura ocidental se levantou. A importância cultural e simbólica daqueles feitos pode ser percebida em um simples exercício mental, ao se vislumbrar um quadro de uma eventual derrota da Grécia diante do Império Persa.

Os persas provinham de uma cultura totalmente diferente da grega. Ao ocupar a Grécia, destruindo toda a produção cultural daquelas cidades estado, estariam destruindo o nascedouro da democracia e da filosofia que até hoje representam traços de alta cultura e figuram como pilares de nossa civilização.

Imaginemos um mundo em que sem Platão, fundador da primeira instituição de educação superior do mundo ocidental, a Academia em Atenas. Um mundo sem o seu mentor, Sócrates, e sem seu pupilo, Aristóteles, os quais ajudaram a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental.

A vitória da Pérsia e a conseqüente ocupação e anexação da Grécia ao seu império em 480 a.C. muito provavelmente representariam para o ocidente a introdução de conceitos de ética, de política e de filosofia drasticamente diferentes daqueles que temos hoje.

Ao assistir os filmes, que por si só já nos prendem a atenção, devemos ter a todo momento em mente que aqueles feitos poéticos narrados naquelas películas de cinema muitas vezes podem representar um encontro direto com nosso passado cultural. Os grandes filósofos, que fizeram a cultura grega brilhar e se expandir pelo mundo com as campanhas de Alexandre, jamais teriam produzido o que produziram se aqueles guerreiros das Termófilas e do Mar Egeu não tivessem resistido às ameaças do leste. Aqueles bravos homens garantiram, com seus escudos e suas espadas, que o lançamentos das bases culturais do ocidente acontecesse.

Raros momentos na história ocidental tem importância tão decisiva para todos os outros desdobramentos posteriores. A guerra entre Xerxes e a Grécia é um desses raros momentos. Ao assistir “300” e “300 A Ascensão do Império”, tenhamos a devida reverência e a percepção de estar assistindo as batalhas pela construção cultural do ocidente e de muito daquilo que somos hoje.

2 comentários:

  1. Excelente texto caro amigo Matos!
    Por não ser grande especialista em história, eu havia ficado na dúvida, ao ver o filme, se os próximos passos da Grécia tinham sido as campanhas de Alexandre o Grande.
    Muito interessante o ponto que você nos despertou, que principalmente a nossa sagrada democracia foi o maior tesouro preservado e propagado com essas vitórias.
    Grande abraço do amigo Takei!

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  2. parabéns pela matéria, só uma pequena correção do trecho "A luta contra a invasão do Império Persa foi a primeira vez na história em que a Grécia se viu unificada contra um inimigo externo."

    Na verdade anteriormente as cidades estado gregas haviam lutado juntas contra a cidade de Tróia.

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