segunda-feira, 3 de março de 2014

A Liberdade de Expressão e as Falsas Bandeiras de Luta

Leonardo Matos
03 de março de 2014

É surpreendente a repercussão alcançada por um pequeno debate acontecido na página do facebook pertencente ao professor Dimitri Sales, doutor em direito constitucional e ex-professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, instituição que forma os oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo e onde tive oportunidade conhecer e ser também aluno do professor Dimitri.

Ao criticar as ações da PM na manifestação do último dia 23 de fevereiro de 2014, o professor recebe duras críticas de oficiais da própria PM, ex-alunos do professor Dimitri, algumas no sentido técnico-jurídico e outras em sentido de desabafo e insatisfação, tanto com a atual situação da segurança pública no Estado de São Paulo e no Brasil, como com as aulas do professor na Academia da Polícia Militar.

Em tom emocionado, os ex-alunos do professor alegam que “nunca foram orientados” por ele sobre as alternativas de ação e que agora se sentem traídos por receber críticas daquele que deveria ter lhes mostrado os melhores caminhos.

Não quero tratar aqui das questões de legitimidade da ação da PM, tendo em vista que minha manifestação no debate com o professor Dimitri já expõe minhas opiniões técnico-profissionais sobre o assunto. O ponto deste pequeno artigo é tentar entender como essa situação ganhou proporções estranhamente maiores do que a realidade dos fatos e também fazer uma reflexão sobre a liberdade de expressão.

Segundo artigo intitulado “Ex- professor de Direitos humanos da PM é atacado por oficiais em rede social”, publicado no blog do jornalista Bruno Paes Manso, no site do jornal Estadão, o professor Dimitri teria sido “atacado” por oficiais da Polícia Militar e, se sentindo “acuado” pelos oficiais (seu ex-alunos, diga-se de passagem), teria formalizado uma reclamação junto à Secretaria de Segurança Pública.

O curioso é que, da leitura do debate, disponível na página de facebook do professor, fica claro que não existem ameaças contra a integridade física, bem como não existem ameaças contra o direito de expressão do renomado professor, sendo que os comentários (emocionados é verdade) demonstram opiniões e insatisfações dos debatedores, sendo que as críticas ao professor são direcionadas às suas aulas e às suas opiniões, muito longe de tentarem atingir a honra ou a integridade do mesmo.

Nos comentários, os ex-alunos dizem estar decepcionados com seu mestre e afirmam que nunca foram orientados pelo professor sobre como agir em situações como as vivenciadas nas manifestações. Os oficiais criticam o fato de seu ex-professor defender, na interpretação deles, manifestantes que se demonstravam claramente violentos. Alegam ainda que, quando o próprio professor Dimitri, ou algum familiar for vítima da violência, talvez mude de opinião quanto às ações da PM, citando como exemplo o cidadão que teve seu veículo incendiado por manifestantes.

Em que pese os comentários serem mais um desabafo do que propriamente um argumento, desabafo esse que, como lembrou o jornalista do Estadão, repetem velhos clichês já conhecidos em defesa da Polícia Militar, em nenhum momento os ex-alunos do professor Dimitri ameaçam a sua integridade física ou psicológica, bem como não tomam nenhuma medida no sentido de tentar calar a sua voz ou as suas opiniões.

Acontece que o já conhecido ânimo de desmoralizar as polícias militares, mais uma vez faz com que esse tipo de evento seja utilizado para dar ressonância a velhas bandeiras de “luta pela liberdade” elegendo, como sempre, a Polícia Militar como o “vilão” e o professor Dimitri como a “vítima da vez”.

Após a divulgação do seu debate no blog do Estadão, o próprio professor Dimitri divulgou seu comentário sobre o assunto, no qual faz ecoar, não sei se proposital ou acidentalmente, o discurso de que estariam tentando coibir seus direitos de manifestação. O professor escreve: “Não temo os conflitos democráticos. Não me assusta o grito repressor. Repudio qualquer tentativa de cerceamento do direito a manifestação!”. Uma declaração com um teor quase militante, que não condiz com a realidade do que foi descrito no debate e que colabora com a transformação do evento em uma bandeira artificial de militância.

O mais intrigante, ao analisarmos friamente a situação, é que conforme descrito pelo jornalista do Estadão o professor “informou a Secretaria de Segurança Pública sobre o ocorrido”. De acordo com o comentário postado posteriormente pelo próprio professor Dimitri, ele “optou por evitar entrar naquela discussão” e “adotou as providências cabíveis”. Ora, adotar as “providências cabíveis”, notificando a SSP para que os oficiais sejam responsabilizados por suas opiniões? Nesse ponto, percebo que uma inversão começa a ficar clara, quando se trata de liberdade de expressão.

Os oficiais acabaram acusados de atacar o professor e de tentar cercear o seus direitos de livre expressão e manifestação, no entanto, ao ter “adotado as providências cabíveis”, quem é que realmente agiu no sentido de tentar calar opiniões e cercear o direito de manifestação de cidadãos livres? Ou a liberdade de expressão está limitada à concordância com as opiniões hegemônicas? Aliás, atrevo-me a dizer que esse discurso de “adoção de providências cabíveis” diante da expressão de opiniões livres é o germe da censura, contra a qual o Brasil lutou por anos a fio.

Um aspecto bastante interessante desta situação é que, além de uma situação de “perseguição” dos oficiais contra o professor Dimitri ter sido criada de forma claramente publicitária e artificial, essa versão dos fatos tem ganhado repercussão nas redes sociais, com centenas de manifestações de apoio ao professor e contra os “malvados policiais” que querem “calar a sua voz”. Assim criou-se uma bandeira de “luta pela liberdade” em uma situação em que não houve nenhum atentado à liberdade, utilizando a deturpação das opiniões expressadas num debate em que as emoções afloraram.

Tive a oportunidade de ser aluno do professor Dimitri e sei que ele efetivamente é um defensor da liberdade de expressão. No entanto, como ele mesmo me ensinou muito bem nos bancos acadêmicos, nós devemos questionar sempre tudo que nos é apresentado, devemos olhar e interpretar todos os lados de cada situação para podermos tirar nossas próprias conclusões sobre a realidade que nos cerca de forma crítica.

Pois bem eu questionei, e eu percebi que o professor fez uma crítica à atuação da PM, na qual ele cita o nome do governador de São Paulo por três vezes, imputando-lhe toda a responsabilidade pelos atos da PM, os quais o professor e muitas outras pessoas consideram abusivos, ainda que não exista consenso sobre isso. Prevê então que o governador “vai amargar um agitado março de 2014”.

Depois, ao ser questionado e rebatido por opiniões contrárias de seus próprios ex-alunos, ele opta por evitar a discussão e ainda adota as tais “providências cabíveis” contra as opiniões de seus ex-alunos. Assim diante do ambiente criado, juntamente com um meio de comunicação e com as redes sociais, surge uma falsa situação de perseguição, que tomou corpo rapidamente, motivo pelo qual agora se deve “lutar bravamente” pelo direito de livre expressão! E isso tudo isso justamente em um ano eleitoral, no qual o governador de São Paulo terá que colocar seu cargo em jogo na disputa democrática. Interessante não é?

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